22 de março de 2007

O Espírito Santo virá sobre ti

"O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra (Lc 1, 35)." Num autêntico paralelismo, duas imagens, provenientes de diferentes tramas da tradição, descrevem o mistério e o indizível, estando superpostas, parte por parte.

A primeira imagem faz alusão ao relato da Criação (Gn 1, 2) e caracteriza o acontecimento como uma nova criação: o Deus, cujo espírito planava sobre os abismos, criou o ser do vazio, do nada; Ele, o Espírito Criador, é o fundamento, a base de tudo o que existe; este Deus inaugura, pois, uma nova criação a partir da antiga criação e nela. Assim, firme e absolutamente caracterizada se instala a ruptura radical com o passado. Este novo momento significa a vinda de Cristo.

A segunda imagem - o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra - pertence à Teologia do culto de Israel que remete à nuvem espessa, que com a sua sombra cobre o Templo de Deus, indicando, assim, a presença de Deus. Maria aparece como sendo a tenda santa, sobre a qual a presença oculta de Deus torna-se eficaz.

Cardeal Joseph Ratzinger (papa Bento XVI)
La Fille de Sion (A filha de Sião)

21 de março de 2007

O Anjo do Senhor anunciou a Maria

Eis o que cita o Evangelista: O anjo, entrando onde estava Maria - sem dúvida, em sua casa -, disse-lhe: Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo (Lc 1, 28)!

Entrando na casa da Virgem, mas onde, em que lugar? Acho que foi no recôndito de seu modesto quartinho onde, sempre, com a porta fechada, Maria se retirava para rezar ao Pai. Os anjos costumam estar ao lado daqueles que estão em oração e apreciam estar na companhia daqueles que rezam, erguendo as mãos puras para o Céu, sendo uma alegria muito grande, para eles, oferecer a Deus, em suave odor, o sacrifício do seu santo fervor.

Quanto à Maria, qual não seria o preço, o valor de suas orações aos olhos do Altíssimo? O anjo sabia muito bem, saudando-a, com todo o respeito, logo ao entrar em seu quarto.

O anjo não enfrentou nenhuma dificuldade em adentrar a porta fechada onde a Virgem Maria se mantinha retirada, em oração: a sutileza e argúcia de sua natureza permitem-lhe entrar seja aonde for, sem que nenhuma fechadura de ferro seja obstáculo à sua Missão. Para os espíritos evangélicos, as muralhas não representam impedimento: qualquer objeto visível se apaga diante delas e não existe corpo tão resistente nem tão espesso que não lhes seja permeável.

Não podemos imaginar, pois, que o anjo tenha encontrado a porta aberta, porque a Virgem, certamente, evitava e se afastava da companhia dos homens e desviava-se de suas conversas para que nada perturbasse o silêncio de suas orações nem colocasse em perigo a sua castidade. Sendo muito prudente, ela tinha sido, naquela hora, bastante prudente, igualmente - sendo a prudência, uma característica sua - e fechara-se sob quatro portas; fechara-se aos homens, mas não aos anjos.

Assim, o anjo pôde entrar em sua casa, mas nenhum homem tinha livre acesso a ela.

São Bernardo de Claraval
Trecho da terceira Homilia Super Missus

16 de março de 2007

Os dois mandamentos do amor

Pergunta: Para começar, pedimos que nos digam se os mandamentos de Deus se seguem por uma certa ordem. Há um primeiro, um segundo, um terceiro, e por aí fora?...

Resposta: O próprio Senhor determinou a ordem por que devem ser guardados os seus mandamentos. O primeiro e o maior é aquele que diz respeito à caridade para com Deus, e o segundo, que se lhe assemelha, ou, mais precisamente, o complementa e é sua consequência, diz respeito ao amor ao próximo...

Pergunta: Falai primeiro do amor de Deus. Está claro que é preciso amar a Deus, mas como devemos amá-lO?...

Resposta: O amor a Deus não se ensina. Ninguém nos ensinou a aproveitar a luz ou a defender a vida acima de tudo; também ninguém nos ensinou a amar os que nos puseram no mundo ou nos educaram. Do mesmo modo, ou ainda com mais forte razão, não é um ensinamento exterior que nos ensina a amar a Deus. Na própria natureza do ser vivo – quero dizer do homem – é deposta uma espécie de germe que contém em si o princípio dessa aptidão para amar. É à escola dos mandamentos de Deus que compete recolher esse germe, cultivá-lo diligentemente, alimentá-lo com zelo, e dilatá-lo mediante a graça divina.
Aprovo o vosso zelo, é indispensável ao propósito... É preciso saber que esta virtude da caridade é uma, mas que potencialmente ela abarca todos os mandamentos: «Pois aquele que me ama, diz o Senhor, cumpre os meus mandamentos» (Jo 14,23), e ainda : «nestes dois mandamentos está contida toda a lei e os profetas» (Mt 22,40).

S. Basílio (c. 330-379), monge e bispo de Cesareia, na Capadócia, doutor da Igreja
Igreja Grandes regras monásticas, Q 1-2

8 de março de 2007

A Igreja não é lugar para anarquia

VATICANO, 07 Mar. 07 (ACI)

Milhares de fiéis se reuniram na Sala Paulo VI para participar da Audiência Geral com o Papa Bento XVI, quem em sua catequese sobre os padres apostólicos pedindo que as autoridades sejam dóceis ao plano de Deus.

Aprofundando sobre a figura de São Clemente, Papa, o Santo Padre disse que "a autoridade e prestígio deste Bispo de Roma eram tais que lhe foram atribuídos diversos textos" e entre estes uma carta que "constitui um primeiro exercício do Primaz romano depois da morte de são Pedro".

Nesta, São Clemente recorda que "o Senhor nos previne e doa o perdão, doa-nos seu amor, a graça de sermos cristãos, seus irmãos e irmãs".

"É um anúncio que enche de gozo nossa vida e dá segurança a nosso atuar: o Senhor nos previne sempre com sua bondade e a bondade do Senhor é sempre maior que todos nossos pecados", continuou o Pontífice.

Deste modo São Clemente reflete sobre seu ideal de Igreja "reunidos pelo único Espírito de graça infundida sobre nós, que se manifesta nos diversos membros do Corpo de Cristo, no qual, todos, unidos sem separação alguma, são membros uns dos outros".

Também existe na carta uma nítida distinção entre o laico e a hierarquia, que certamente "não significa para nada uma contraposição, mas somente uma conexão orgânica de um corpo, de um organismo, com as diversas funções".

"A Igreja -prosseguiu- não é lugar de confusão nem de anarquia: cada um neste organismo, com uma estrutura articulada, exercita seu ministério segundo a vocação recebida".

Para o final de sua catequese o Pontífice destacou a referência de São Clemente às autoridades, quem rezando por elas "reconhece a legitimidade das instituições políticas na ordem estabelecida por Deus; ao tempo que manifesta a preocupação que as autoridades sejam dóceis a Deus e exercitem o poder que Deus lhes deu na paz e na mansidão com piedade".

6 de março de 2007

A alma se abrasa de um amor inefável

[Disse Deus a Santa Catarina:] Pedes-me para Me conheceres e Me amares, a Mim, a Verdade suprema. Eis a via para quem quer chegar a conhecer-Me perfeitamente e a experimentar-Me, a Mim, a Verdade eterna: nunca abandones o conhecimento de ti mesma e, abaixada até ao vale da humildade, em ti mesma Me conhecerás. E desse conhecimento retirarás tudo quanto te faz falta, tudo aquilo de que precisas. Nenhuma virtude tem vida em si mesma, se a não tirar da caridade; ora, a humildade é a ama e a governanta da caridade. No conhecimento de ti mesma te tornarás humilde, pois por ele verás que nada és por ti mesma e que o teu ser vem de Mim, pois Eu amei-vos antes de que vós existísseis. Foi por causa deste amor inefável que tive por vós que, querendo voltar a criar-vos pela graça, vos lavei e vos recriei no sangue derramado por Meu Filho único com tão grande fogo de amor.

Só este sangue, e apenas ele, dá a conhecer a verdade àquele que, por via desse conhecimento de si mesmo, dissipou a névoa do amor próprio. É então que, nesse conhecimento de Mim Mesmo, a alma se abrasa de um amor inefável, e é devido a este amor que sofre uma dor contínua. Não é uma dor que a aflija ou a seque (longe disso dado que, pelo contrário, a fecunda); mas, por ter conhecido a Minha verdade, os seus próprios pecados, a ingratidão e a cegueira do próximo causam-lhe uma dor intolerável. Aflige-se porque Me ama pois, se não Me amasse, não se afligiria.

Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, Doutora da Igreja, co-padroeira da Europa; Diálogos, cap. 4