10 de janeiro de 2008

O Senhor Me ungiu

“Cumpriu-se hoje esta palavra da Escritura que acabais de ouvir: ‘O Espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me ungiu’ (Is 61, 1).” É como se Cristo tivesse dito: Porque o Senhor Me ungiu, Eu disse sim, disse-o verdadeiramente, e volto a dizê-lo: O Espírito do Senhor repousa sobre Mim. Onde foi, pois, em que momento foi que o Senhor Me ungiu? Ungiu-Me quando fui concebido, ou melhor, ungiu-Me a fim de que fosse concebido no seio de Minha Mãe. Porque não foi da semente de um homem que uma mulher Me concebeu, antes uma Virgem Me concebeu da unção do Espírito Santo. Foi então que o Senhor Me assinalou com a unção real; consagrou-Me rei ungindo-Me, ao mesmo tempo que Me consagrava sacerdote. E pela segunda vez, no Jordão, o Senhor consagrou-Me por esse mesmo Espírito. […]

E por que está o Espírito do Senhor sobre Mim? […] “Enviou-me a levar a boa nova aos pobres, a curar os corações despedaçados” (Is 61, 1). Não Me enviou aos orgulhosos nem aos “que têm saúde”, mas como “médico aos doentes” e aos corações despedaçados. Não Me enviou “aos justos” mas “aos pecadores” (Mc 2, 17). Fez de Mim um “homem de dores, experimentado nos sofrimentos” (Is 53, 3), um homem “manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). Enviou-Me “a anunciar a amnistia aos cativos e a liberdade aos prisioneiros” (Is 61, 1). […] A que prisioneiros, ou antes, de que prisão venho anunciar a libertação? A que cativos venho anunciar a liberdade? Desde que “por um só homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte” (Rom 5, 12), todos os homens são prisioneiros do pecado, todos são cativos da morte. […] Eu fui enviado “a consolar […] os amargurados de Sião” (Is 61, 2-3), todos quantos se afligem por terem sido, devido aos seus pecados, privados e separados de sua mãe, a “Jerusalém lá do alto” (Ga 4, 26). […] Sim, consolá-los-ei dando-lhes “uma coroa em vez das cinzas” da penitência, o “óleo da alegria”, ou seja, a consolação do Espírito Santo, “em vez do luto” da orfandade e do exílio, uma veste de festa, ou seja, a glória da Ressurreição “em vez do desespero” (Is 61, 3).

Rupert de Deutz (c. 1075-1130),
monge beneditino
Sobre a Santíssima Trindade, 42

9 de janeiro de 2008

Jesus junto à Igreja

Os apóstolos atravessam o lago. Jesus está sozinho em terra, enquanto eles se esgotam a remar sem poderem avançar, porque o vento é contrário. Jesus ora e, na sua oração, vê-os esforçarem-se por avançar. Vem logo ao seu encontro. É claro que este texto está cheio de símbolos da Igreja: os apóstolos sobre o mar e contra o vento, e o Senhor ao pé do Pai. Mas o que é determinante é que, na sua oração, enquanto está “ao pé do Pai”, não está ausente; bem pelo contrário, ao rezar Ele vê-os. Quando Jesus está junto do Pai, está presente na Igreja. O problema da vinda final de Cristo é aqui aprofundado e transformado de modo trinitário: Jesus vê a Igreja no Pai e, pelo poder do Pai e pela força do seu diálogo com Ele, está presente junto dela. É justamente este diálogo com o Pai enquanto “está no monte” que O torna presente, e inversamente. A Igreja é por assim dizer objecto de conversação entre o Pai e o Filho, portanto, ela própria ancorada na vida trinitária.

Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI]
O Deus de Jesus Cristo

8 de janeiro de 2008

Não podeis viver sem amor

[Jesus dizia a Santa Catarina:] É toda a Essência divina o que recebeis neste sacramento, sob essa brancura do pão. Tal como o sol é indivisível, assim Deus se encontra todo inteiro e o homem todo inteiro na brancura da hóstia. Ainda que dividíssemos a hóstia em milhares de migalhas, se isso fosse possível, em cada uma delas eu estou ainda, Deus inteiro, homem inteiro, tal como te disse...

Suponhamos que haja várias pessoas a virem buscar luz com círios. Uma traz um círio de cem gramas, outra de duzentos e uma terceira de trezentos gramas; uma outra traz um círio de meio quilo e outra de mais ainda. Todas se aproximam da luz e cada uma acende o seu círio. Em cada círio aceso, seja qual for o seu volume, vê-se agora a luz toda inteira, com a sua cor, o seu calor e o seu brilho... Assim acontece aos que se aproximam deste sacramento. Cada um traz o seu círio, quer dizer, o santo desejo com que recebe e toma o sacramento. O círio está apagado e acende-se quando se recebe este sacramento. Digo que está apagado porque por vós mesmos não sois nada. É verdade que vos dei a matéria com que podeis receber e conservar em vós esta luz. Essa matéria é o amor, porque vos criei por amor; é por isso que não podeis viver sem amor.

Santa Catarina de Sena (1347-1380),
terceira dominicana, doutora da Igreja, co-padroeira da Europa
O Diálogo

5 de janeiro de 2008

Deus nos procurou

Nós fomos procurados, e só podemos falar depois de termos sido encontrados; longe de nós, pois, qualquer sentimento de orgulho. Estávamos perdidos para sempre, se Deus não tivesse ido à nossa procura para nos encontrar.

Santo Agostinho (354-430),
bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Sermões sobre São João, nº 7

O Mistério sempre novo

O Verbo de Deus nasceu segundo a carne uma vez por todas. Mas pela sua bondade e condescendência para com os homens, quer nascer sempre espiritualmente naqueles que o desejam. Quer tornar-se criança, que vai se formando neles com o crescimento das virtudes; e manifesta-se na medida em que pode compreendê-lo quem o recebe. Se não se comunica com o esplendor de sua grandeza, não é porque não deseje, mas porque conhece as limitações das faculdades receptivas de cada um. Assim, o Verbo de Deus revela-se sempre a nós do modo que nos convém, e contudo ninguém pode conhecê-lo perfeitamente, por causa da imensidade de seu mistério.

Nasce o Cristo, Deus que se faz homem, assumindo um corpo dotado de uma alma racional, ele por quem tudo que existe saiu do nada. No Oriente brilha uma estrela visível em pleno dia e conduz os magos ao lugar onde está deitado o Verbo feito homem, para demonstrar misticamente que o Verbo, contido na lei e nos profetas, supera o conhecimento sensível e conduz as nações à plena luz do conhecimento.

Com efeito, a palavra da lei e dos profetas, entendida à luz da fé, é semelhante a uma estrela que conduz ao conhecimento do Verbo encarnado todos os que foram chamados pelo poder da graça, segundo o desígnio de Deus.

Deus se fez homem perfeito, sem que nada lhe faltasse do que é próprio da natureza humana, à exceção do pecado (o qual, aliás, não era inerente à natureza humana).

O grande mistério da encarnação de Deus permanecerá sempre um mistério! Como pode o Verbo que está em pessoa e essencialmente na carne existir ao mesmo tempo em pessoa e essencialmente junto do Pai? Como pode o Verbo, totalmente Deus por natureza, fazer-se totalmente homem por natureza, sem detrimento algum das duas naturezas, nem da divina, na qual é Deus nem da humana, na qual se fez homem?

Só a fé pode alcançar estes mistérios, ela que é precisamente a substância e o fundamento das realidades que ultrapassam toda inteligência e compreensão.

Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje e por toda a eternidade.

São Máximo, confessor, abade

Fonte: Oficio das leituras, Liturgia das Horas