4 de dezembro de 2007

Quiseram ver o que vedes

O desejo ardente dos patriarcas pela presença corporal de Jesus Cristo constitui para mim assunto de frequentes meditações. Não consigo pensar nisso sem que lágrimas de vergonha me assomem aos olhos. Porque avalio então o tédio e a sonolência desta época miserável em que vivemos. Recebemos esta graça, o corpo de Cristo é-nos mostrado no altar, mas ninguém de entre nós experimenta tão intensa alegria como o desejo que a simples promessa da Encarnação inspirava aos nossos antepassados…

O Natal está próximo e muitas pessoas apressam-se a celebrá-lo: possam elas rejubilar verdadeiramente com a Natividade, e não com vaidades!

São Bernardo (1091-1153),
monge cisterciense e doutor da Igreja
Sermão 2 sobre o Cântico dos Cânticos

Os três adventos de Cristo

Há três adventos do Senhor, o primeiro é na carne, o segundo na alma, o terceiro, pelo juízo. O primeiro advento deu-se a meio da noite, como está dito nas palavras do evangelho: «A meio da noite ouviu-se um grito: eis o Esposo!» (Mt 25,6). E esse primeiro advento já passou, pois Cristo foi visto na terra e conversou com os homens (Br 3,38).

Estamos agora no tempo do segundo advento, contanto porém que sejamos dignos de Ele vir até nós, pois Ele disse que, se O amamos, virá até nós e em nós estabelecerá a sua morada (Jo 14,23). Este segundo advento de Cristo é portanto para nós uma coisa envolta em alguma incerteza, pois quem, a não ser o Espírito Santo, conhece os que são de Deus? (1 Co 2,11)? Aqueles a quem o desejo das coisas celestes transporta para lá de si mesmos sabem quando Ele virá: porém «não sabem de onde vem nem para onde vai» (Jo 3,8).

Quanto ao seu terceiro advento, é certo que há-de acontecer, mas é incerto quando, pois nada é mais certo do que a morte, e nada é mais incerto do que o dia da morte. «No momento em que falarmos de paz e de segurança, então surgirá a morte, repentina, como as dores do parto das mulheres, e ninguém escapará» (1 Ts 5,3). O primeiro advento foi portanto humilde e escondido, o segundo é misterioso e cheio de amor, o terceiro será magnífico e terrível. No primeiro advento, Cristo foi julgado pelos homens com injustiça; no segundo, fez-nos justiça pela graça, no último, tudo julgará com equidade – Cordeiro no primeiro advento, Leão no último, Amigo cheio de ternura no segundo.

Pedro de Blois (c. 1130-1211),
arcediago na Inglaterra
(in Ephata 1, pg. 10-11)

2 de dezembro de 2007

Vigiai e orai continuamente

Quem quer orar em paz não terá apenas em consideração o local, mas o tempo. O momento do repouso é o mais favorável e assim que o sono da noite estabelece um silêncio profundo, a oração faz-se mais livre e mais pura (Lam 2,19). Com que segurança a oração sobe na noite, quando só Deus é testemunha, com o anjo que a recebe para a ir apresentar ao altar celeste! Ela é agradável e luminosa, pintada de pudor. Ela é calma, tranquila, já que nenhum barulho, nenhum grito a vem interromper. Ela é pura e sincera, quando o pó das preocupações terrenas não a podem sujar. Não há espectador que possa expô-la à tentação pelos seus elogios ou adulação.

É por isso que o Esposo (do Cântico dos Cânticos) agiu com tanta prudência como pudor assim que ela escolheu a solidão noturna do seu quarto para rezar, quer dizer, para procurar o Verbo, porque tudo é um. Tu rezas mal se ao rezar procuras outra coisa que não o Verbo, a Palavra de Deus, ou e tu não pedes que o assunto da tua oração seja relativo ao Verbo. Porque tudo está nele: o remédio para as feridas, o socorro nas tuas necessidades, a melhoria dos teus defeitos, a fonte dos teus progressos, em resumo, tudo o que um homem pode e deve desejar. Não há nenhuma razão para pedir ao Verbo outra coisa que não seja ele próprio, pois que ele é todas as coisas. Se, como é necessário, nós pedimos certos bens concretos, e se, como devemos, nós os desejamos pelo Verbo, são menos essas coisas em si mesmas que nós pedimos, que aquele que é a causa da nossa súplica.

S. Bernardo (1091-1153),
monge de Cister e doutor da Igreja
Sermão 86 sobre o Cântico dos Cânticos