29 de agosto de 2007

Uma luz diferente

Aconselhado pelas minhas leituras a debruçar-me sobre mim mesmo, entrei no fundo do meu coração, conduzido por ti. Pude fazê-lo porque te fizeste o meu suporte. Entrei em mim e vi, não sei com que olhos, mais alta do que o meu pensamento, uma luz imutável. Não era a luz habitual que os olhos do corpo apreendem, nem sequer uma luz do mesmo tipo mas mais poderosa, mais brilhante, que enchesse tudo com a sua imensidade. Não, não era isso, mas uma luz diferente, muito diferente de tudo isso.

Também não estava acima do meu pensamento como o azeite que fica por cima da água, nem como o céu que se estende por cima da terra. Estava acima porque foi ela que me criou, e eu por baixo porque sou a sua obra. Para a conhecer, é preciso conhecer a verdade; e aquele que a conhece, conhece a eternidade; é a caridade que a conhece. Ó eterna verdade, verdadeira caridade, querida eternidade! Tu és o meu Deus e eu suspiro por ti dia e noite.

Quando comecei a conhecer-te, elevaste-me para ti para me mostrares que eu tinha ainda muitas coisas a compreender e como era ainda incapaz de o fazer. Fizeste-me ver a fraqueza do meu olhar, lançando sobre mim o teu esplendor, e eu estremeci de amor e de espanto. Descobri que estava longe de ti, na região da dissemelhança, e a tua voz vinha a mim como que das alturas : "Eu sou o pão dos grandes; cresce e comer-me-ás. E não serás tu que me transformarás em ti, como acontece com o alimento do teu corpo ; mas tu é que serás transformado em mim".

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Confissões, VII, 10

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