Eu vim lançar fogo sobre a terra
«Vim trazer o fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso». O Senhor quer-nos vigilantes, esperando a todo o momento a vinda do Salvador. […] Mas porque o ganho é magro e fraco o mérito quando é por temor do suplício que não nos deixamos cair na perdição, e porque o amor é o valor superior, o próprio Senhor inflama-nos no desejo de chegar a Deus, ao dizer-nos: «Vim trazer o fogo à terra». Certamente não é este o fogo que destrói, mas o fogo que produz a vontade boa, que torna mais valiosos os vasos de ouro da casa do Senhor ao queimar o feno e a palha (1 Co 3, 12ss), ao devorar as podres entranhas do mundo, amassadas pelo gosto do prazer terrestre, obras da carne que devem ser destruídas.
Era o fogo divino que queimava os ossos dos profetas, como declara Jeremias: «Tornou-se um fogo devorador, encerrado em meus ossos» (Jr 20,9). Porque há um fogo que vem do Senhor, sobre o qual se diz: «à frente d’Ele avançará o fogo» (Sl 96, 3). O próprio Senhor é um fogo, diz ele, «que arde sem se consumir» (Ex 3,2). O fogo do Senhor é a luz eterna; neste fogo acendem-se as lâmpadas dos crentes: «Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas» (Lc 12, 35). É porque os dias desta vida são noite ainda que são necessárias as lâmpadas. É este o fogo que, segundo o testemunho dos discípulos de Emaús, o próprio Senhor pusera neles: “Não sentíamos o coração a arder, durante o caminho, enquanto Ele nos explicava as Escrituras?» (Lc 24,32). Eles ensinam-nos pela evidência qual é acção deste fogo, que ilumina o fundo do coração do homem. É por isso que o Senhor virá no fogo (Is 66, 15), para consumir os vícios no momento da ressurreição, para com a sua presença realizar os desejos de cada um de nós, e projectar a sua luz sobre as glórias e os mistérios.
Santo Ambrósio (c.340-397),
bispo de Milão e doutor da Igreja
Tratado sobre S. Lucas 7, 131-132
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